Um Porto Seguro Para O Hip Hop
O município de porto seguro torna-se pioneiro no estado ao reconhecer a cultura hip hop como patrimônio cultural imaterial
O município de Porto Seguro localizado na região do extremo sul baiano e no que é conhecido como Costa do Descobrimento, torna-se pioneiro no Estado ao reconhecer a cultura Hip Hop como patrimônio cultural imaterial.
Em projeto de Lei conduzido pelo vereador Vinicius Parracho, aprovado pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito Jânio Natal, a cidade reconhece o Hip Hop e seus cinco elementos como um patrimônio cultural imaterial a ser preservado e promovido no âmbito municipal.
Com população estimada em 150.658 pessoas em 2020, a cidade de Porto Seguro se torna referência no reconhecimento da cultura Hip Hop como patrimônio imaterial ao lado do Estado do Rio de Janeiro onde a Lei 7.837/18 pioneiramente reconhece as contribuições do Hip Hop ao Estado e à cidade de Esteio no Rio Grande do Sul que em 2019 promulgou a lei 7.298/19 incorporada às demandas orgânicas daquele município.
A Lei Municipal nº 1629/21 em seu artigo primeiro informa que “fica declarado como patrimônio cultural do município de Porto Seguro a cultura Hip Hop e todas as suas manifestações artísticas, como Mestre de Cerimônia, Disc Jockey, Grafite, o Breaking Boy e a Breakin Girl”.
Em seu artigo segundo a lei coopera para a luta antirracista e contra a discriminação das culturas da Maioria Minorizada ao afirmar que: “Autoriza o poder público assegurar e fomentar a cultura Hip Hop a realização de suas manifestações próprias (através do break, do grafite, do trabalho dos DJ’s e MC’s), sem quaisquer regras discriminatórias, nem diferentes das que regem outras manifestações da mesma natureza”.
A lei ainda prevê o fomento às rodas culturais no município de Porto Seguro com o objetivo de divulgação, valorização, integração, e educação através do Hip Hop.
É nesse quesito que se percebe o “oculto” quinto elemento da cultura Hip Hop que é a promoção do conhecimento e dos saberes descentrados, não hegemônicos e valorizadores dos aprendizados comunitários que marcam os Campos da Maioria Minorizada.
Assim que no artigo quarto é determinado que “caberá às instituições de ensino situadas no município de Porto Seguro, a partir de discussão em seus fóruns, desenvolver ações de divulgação como oficinas, debates e aulas temáticas sobre a cultura Hip Hop, integrado ao tema relativo às relações étnico-raciais e enfrentamento ao racismo”.
No momento que vivemos a incerteza da vida e insegurança quanto ao futuro, o incentivo à cultura Hip Hop e seus praticantes é uma vacina de animo e luz no meio do assombroso momento social.
Dessa forma que a professora Veronica Souza do IFBA em Porto Seguro e membra da internacional Zulu Nation no Brasil compartilha seu percurso entre o Hip Hop e a educação: “O meu acesso à cultura hip hop se deu desde o início dos anos 2000. Ainda morando na periferia de Salvador, eu já desenvolvia projetos lá e noutras comunidades da cidade, tendo a Cultura como mote, como foi o caso do Projeto Hip Hop com Compromisso. Quando me mudei para Porto Seguro em 2012, trouxe comigo, e para dentro da instituição que trabalho, a continuidade de ações, não só no ensino, como nas atividades de pesquisa e extensão, eixos que desenvolvo até hoje, tensionando o elemento, na minha opinião fundamental da Cultura, que é o Conhecimento e como na escola ele pode dialogar para assegurar a perspectiva de vida dos meninos e das meninas. O olhar legislativo nesse momento, especialmente entendendo a escola como espaço promotor da Cultura, pode ser um passo para a quebra de preconceitos e para alargar o olhar para a periferia como um, desde sempre, fértil campo do saber”.
A história da professora Verônica é ilustrativa para descortinarmos a capilaridade da cultura Hip Hop no Brasil deste século XXI e compreender como as demandas de jovens das periferias de hoje se somam à luta e demandas de jovens das periferias de hoje e ontem que nas suas atividades profissionais contribuem para a visibilidade dessa complexa cultura de sobreviventes.
Como é sabido, uma proposta de ajuste legislativo trazendo a realidade social vivida para o lócus do parlamento não acontece por osmose, é nesse sentido que a organização de artistas/ativistas da cidade de Porto Seguro, Eunápolis, Santa Cruz Cabrália e região é fundamental para que essa movimentação tenha sido escutada, captada e acolhida em suas demandas pelo poder público.
O vereador Vinicius Parracho, autor da lei, conta que a possibilidade de transformar as demandas relacionadas ao Hip Hop se tornou uma realidade a partir do momento em que ele percebeu as queixas e necessidades de artistas/ativistas do Hip Hop local. E, também, após vivenciar o universo Hip Hop em sua cidade natal, o Rio de Janeiro, e ter atuado como produtor junto ao grupo 3030, um dos mais destacados da cena popular do rap carioca contemporâneo, tendo seu irmão o rapper Rod 3030 como MC. “Sempre gostei muito, é um movimento de transformação da vida de muita gente. Tem tudo a ver com o momento que a gente vive. Ocupou o espaço que o rock tinha nos anos 80 e 90. Eu acompanhei de perto e trabalhei como advogado e produtor da 30 30, quando voltei para Porto Seguro, observei que muitos amigos artistas e produtores reclamavam da situação de perseguição e preconceito. Eleito vereador, decidi apresentar um projeto de lei que foi muito bem aceito, não tivemos oposição nos debates a respeito da proposta”, conclui.
A iniciativa tem repercutido na região e agregado valor aos sujeitos oriundos da chamada cultura de rua, aos artistas, ativistas e adeptos dessa manifestação que de raiz jamaicano-estadunidense se reconfigurou em voz que ecoa pelas periferias e movimentações da juventude brasileira.
O professor do Colégio Municipal Álvaro Henrique, Thawan Dias, mestrando em Ensino e Relações étnico-raciais na Universidade Federal do Sul da Bahia registra que ficou” mais feliz quando vi que a lei estabelece que as escolas tratam da cultura em rodas de rimas, rodas culturais”. Ele enfatiza que “Agora é lei, mas comecei fazendo isso em 2019. E foi muito interessante aprender sobre Hip Hop com meus alunos. Levei batalhas de MC’s para o Intervalo Cultural e foi sucesso. Vamos resistindo”.
De Salvador, DJ Branco, criador da Casa do Hip Hop Bahia, um dos pioneiros na cultura no Estado, recebe com regozijo e esperança a notícia da lei municipal de Porto Seguro: “Declarar a cultura Hip-Hop como Patrimônio Imaterial é reconhecer a importância que essa cultura tem para o desenvolvimento sócio, político, cultural e econômico do município, e o poder de transformação social que ela tem na vida de adolescentes e jovens de comunidades periféricas contribuindo com o processo educativo, elevação da consciência e resgate da autoestima através da arte do break, graffiti, dj e a música rap. Mais um avanço e mais uma vitória para o hip-hop não só de Porto Seguro e sim do Brasil.”
Atividades nos âmbitos das escolas, Institutos federais e da universidade Federal do Sul da Bahia, jogam luzes e cores para a vida cultural das periferias da região em sintonia com a produção das periferias globais. Como ação comunicativa da juventude negra mundializada a cultura Hip Hop em movimento continua sendo caminho de luz e alimento antissistêmico para os sobreviventes e resistentes produtores, culturais, intelectuais e educadores da Maioria Minorizada.